segunda-feira, 23 de abril de 2012

::: NATALIDADE - Cresce o número de partos de prematuros no Brasil

Bebês com baixo peso e altos custos com internamento estão entre os efeitos da taxa crescente de crianças nascidas antes da hora no Brasil

Enquanto a taxa de natalidade cai ano a ano, a proporção de bebês nascidos antes da hora só aumenta no Brasil. De 2001 a 2010, o número absoluto de nascimentos teve queda de 8,2%, passando de 3,1 milhões para 2,8 milhões. No mesmo período, o porcentual de prematuros foi de 6,3% para 7,1% do total – o equivalente a quase 205 mil bebês em 2010, na sua maioria com baixo peso e outras complicações. Além dos problemas de saúde que obrigam as crianças a ficar meses internadas, as famílias enfrentam o desgaste emocional e os altos custos dos tratamentos.
O Ministério da Saúde não tem dados de quanto custa tratar um bebê prematuro, mas informa que paga ao menos R$ 478,72 por uma diária em UTI. Esse valor pode ser multiplicado por quase dez se forem computados outros gastos, como medicamentos e alimentação especial. Segundo maternidades de Curitiba, uma diária pode chegar a R$ 4 mil, dependendo do grau de comprometimento do recém-nascido.

Arquivo pessoal
Arquivo pessoal / Luciano e Adriana, com os trigêmeos Carolina, Laura e Léo
Luciano e Adriana, com os trigêmeos Carolina, Laura e Léo

Mãe de Rondônia soma cinco meses de vaivém hospitalar
Angélica Favretto

Desde o dia 19 de novembro, a UTI Neonatal do Hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba, se tornou a segunda casa da agente de viagens Eliana Gosman de Paula, 32 anos. Foi neste dia que nasceu a filha Rita Vitória, com 720 gramas e 33 centímetros.
Eliana já perdeu três bebês, todos aos seis meses de gestação. Desta vez, quando chegou ao mesmo período de gravidez, veio de Rondônia, onde mora, para Curitiba, em busca de um melhor atendimento médico-hospitalar. O parto ocorreu dois dias depois de chegar à cidade.
Como o bebê nasceu muito pequeno, foi para a UTI. Nos primeiros meses, Eliana ficou hospedada na casa de primos em Araucária. A criança desenvolveu infecções e precisou fazer uma traqueostomia, o que prolongou sua permanência no hospital. Para ficar mais perto da filha, a mãe foi para a casa de uma amiga, que vive próximo ao hospital, e depois para uma hospedaria ao lado do Nossa Senhora das Graças.
As despesas médicas de Rita têm a cobertura do plano de saúde, mas os gastos com comida e hospedagem da mãe são custeados por amigos. A estadia, por exemplo, é paga por uma fisioterapeuta do hospital. O pai de Rita, Jonas, veio conhecer a filha também graças à solidariedade: pais de outras crianças internadas na UTI fizeram uma ação entre amigos e o trouxeram para passar dez dias com a família. A esperança agora é que antes de junho Rita, hoje com cinco meses e quase três quilos, possa enfim ir para casa.
Três filhos, só com planilha
Andréa Morais

O médico Lidio Jair Ribas Centa, especialista em reprodução humana, criou em 1977, em Curitiba, um dos primeiros bancos de criopreservação de sêmen do país. Já atendeu mi­lhares de casais com gestações múltiplas. “Tive um casal que ganhou quadrigêmeos. Pedi para trazerem os bebês, mas não teve jeito, pois não cabia todo mundo no carro.”
As complicações só não são maiores, porque, em geral, casais que buscam a reprodução assistida apresentam boas condições financeiras. É o caso de Luciano Hugo Praum e sua mulher Adriana, pais dos trigêmeos Carolina, Laura e Léo, com 2 anos. Os bebês nasceram prematuros, mas os pais consideram que as dificuldades foram menores que as esperadas. “Tivemos uma boa assistência e quando fomos para casa passamos a ter a ajuda de uma enfermeira e dos avós”, relata Luciano. Hoje o casal se considera “escolado”: tem uma planilha em que anota a rotina diária de cada uma das crianças. “Se não for assim, é nessa hora que o casamento acaba”, brinca Luciano, que é médico.
Opinião
“Lá dentro éramos todas iguais”
Daliane Nogueira, repórter, mãe da Dora, 2,5 meses.

São os pequenos que nos ensinam o ofício da maternidade. Quando essa experiência ocorre prematuramente, o aprendizado precisa ser ainda mais rápido.
A notícia de que a ‘placenta havia amadurecido rapidamente’, de um pré-natal para outro, veio como uma punhalada. Nem houve tempo para me refazer. Um dia depois do diagnóstico eu estava internada. Na tarde seguinte, Dora nasceu (10 de fevereiro), com 1,445 quilo e 37,5 centímetros, na 33ª semana de gestação.
Lembro-me do meu marido perguntando para a obstetra, segundos antes do parto, se nossa filha choraria, como todas as crianças. E ela respondeu: “Talvez, pai.” Dependia do amadurecimento do pulmão, acelerado pelas doses de corticoide aplicadas na véspera. Dora chorou, mostrando-se pronta para enfrentar o que se seguiria.
Foram 42 dias de hospital, 37 deles na UTI neopediátrica. Os primeiros dias foram os mais complicados. O bebê perdeu 110 gramas em cinco dias e havia risco de infecções. Foi difícil administrar o desespero e o cansaço do vaivém para o hospital, para visitá-la nos três horários permitidos. Esperei longos 11 dias para pegá-la no colo e 23 para começar a estimular a amamentação.
O drama de ver minha filha tão pequena e indefesa me trouxe a primeira lição da maternidade: paciência. As evoluções dos prematuros são lentas. Cada mililitro a mais de leite consumido ou cinco gramas a mais na balança devem ser comemorados.
Nos outros 13 leitos da UTI havia relatos dos mais diversos. Assim como eu, algumas mães foram surpreendidas com a prematuridade.
Lá dentro éramos todas iguais. Nos dias em que a tristeza batia, sempre havia uma palavra amiga de pessoas que estavam na sala de espera da UTI havia muito mais tempo.
O dia 17 de março ficou marcado como o segundo nascimento: estávamos indo para o quarto da pediatria. Minha filha estava com 1,870 quilo, e eu pude, enfim, passar uma noite cuidando dela. Foram mais cinco dias (ou 95 gramas) para, enfim, levá-la para casa. Poderia terminar dizendo que Dora está ótima, beirando os três quilos e dengosa por um colo, mas prefiro citar as “mães da UTI”, muitas ainda na luta diária, sem direito a fraquejar. Pela natural corrente de apoio criada nos corredores do hospital, a elas eu agradeço.
De acordo com o Ministério da Saúde, não existem no Brasil estudos que determinem as causas para o crescimento da prematuridade. Mas fatores como a preferência pela cesariana, o crescimento das gestações múltiplas e o adiamento da maternidade estão entre as possíveis explicações.
O Brasil tem uma das maiores taxas de cesáreas do mundo. 45% dos partos são cirúrgicos, enquanto a Organização Mundial da Saúde estabelece o limite de 15%. O quadro piora quando se considera gestantes com melhores condições financeiras: entre as que têm plano de saúde, a proporção de cesarianas sobe para 90%. “Quando é programada com semanas de antecedência, a cesariana pode aumentar a chance de nascimento prematuro. Há casos de indicação médica para esse tipo de procedimento, mas nos demais o ideal é o parto normal, que desencadeia uma série de alterações hormonais necessárias à preparação da criança para o parto”, explica o médico Nelson Arns, doutor em Saúde Pública.

Gestações múltiplas
O porcentual de gestações múltiplas cresceu 17% no país em sete anos (leia mais na página ao lado). Segundo a Pes­­­­­quisa Registro Civil 2010, do IBGE, a proporção de brasilei­ros nascidos nesse tipo de parto passou de 1,59% para 1,86% do total entre 2003 e 2010, o que significa que apenas em 2010 nasceram cerca de 50 mil gêmeos, trigêmeos e quadrigêmeos (3 mil no Paraná).
A ginecologista Francieli Maria Vigo, pós-graduanda em Reprodução pela Universidade Federal de São Paulo, diz que as chances de parto prematuro são três ou quatro vezes maiores em gestações múltiplas. “Depende do número de fetos e das condições de saúde da mãe. Quanto mais bebês e quanto mais delicado o quadro da mãe, maiores as chances de parto prematuro.”
Nelson Arns, coordenador nacional da Pastoral da Criança, destaca também a idade materna como outro fator importante. “Um estudo feito na Dinamarca comprovou que o risco de parto prematuro é maior entre mães muito jovens e entre as que optam por ter filho mais tarde.”
Para ele, no caso das mães mais jovens pesa o fator econômico. “Geralmente meninas pobres têm filhos antes da hora. Elas não têm acesso ao pré-natal de qualidade e não previnem ou tratam doenças, como a infecção urinária, que antecipam o nascimento do bebê.” Com relação às mães mais maduras, ele acha que elas precisariam ser devidamente informadas que estão mais sujeitas ao parto prematuro e a todas as consequências dessa escolha.
Nelson Arns alerta ainda para o fato de muitas mulheres deixarem de fazer exames de sangue durante a gestação, mas não abrirem mão da ecografia. “No Brasil se faz mais ecografia do que exame de sangue. Esse comportamento precisa mudar, pois a primeira serve apenas para satisfazer uma curiosidade sobre o sexo do bebê, enquanto os exames de sangue podem identificar e ajudar no tratamento de várias doenças.”

Boom de gestação de gêmeos pode ser freado no país
A preocupação com o avanço das gestações múltiplas é mundial. E como há a associação direta entre o maior número de partos gemelares e as técnicas de reprodução assistida, alguns países estabeleceram regras rígidas para os processos de fertilização in vitro.
É o caso da Finlândia, que só faz o implante de um embrião por procedimento. Lá os tratamentos são patrocinados pelo governo, que prefere pagar os custos de várias tentativas para uma mulher engravidar do que arcar com os efeitos indesejados de gestações múltiplas, especialmente o nascimento de prematuros.
“No Brasil não temos mais do que cinco centros públicos de reprodução assistida. Eles não respondem nem por 5% dos procedimentos realizados todos os anos, que giram na casa dos 50 ou 60 mil. E como os custos são altos – uma fertilização in vitro pode chegar a R$ 18 mil –, os casais buscam maiores chances de sucesso e optam pela implantação de mais de um embrião”, explica o presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, Adelino Amaral.
Mas aqui as regras também estão se tornando mais rígidas e há a expectativa de que nos próximos anos o país reverta a tendência de elevação das gestações múltiplas, como reflexo da resolução 1.957/2010, do Conselho Federal de Medicina (CFM). Ela limita o número de embriões implantados por procedimento: dois para mulheres com menos de 35 anos; três, para quem tem até 40 anos; e no máximo quatro para quem é mais velha. Antes da mudança, mulheres com qualquer idade podiam receber até quatro embriões.

Múltiplos
Os números do IBGE mostram que o crescimento nas gestações múltiplas se concentra nos casos de gêmeos. Mas, mesmo sendo possível para mulheres de qualquer idade implantar ao menos dois embriões, o médico Renato Fraietta, coordenador do Centro de Reprodução Assistida da Universidade Federal de São Paulo, diz que a resolução do CFM vai impactar nas gestações de gêmeos. “Quando implantamos quatro embriões, dificilmente todos se desenvolvem. Agora, com dois embriões, ainda teremos gêmeos, mas será mais comum o desenvolvimento de apenas um bebê.”
Já há relatos de queda nos casos de gestações gemelares, pois, antes mesmo da resolução do CFM, os médicos sentiram a necessidade de reduzir o número de embriões implantados. “O médico tem conhecimento de todas as complicações dos partos múltiplos e o dever de orientar o casal. É bonito ver dois, três ou até quatro bebês juntos, mas há muitas implicações que precisam ser consideradas”, diz o obstetra Hélcio Bertozzi Soares, da Câmara Técnica de Reprodução Assistida do Conselho Regional de Medicina.

Gazeta do Povo

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