Apesar do nome, taxa cobrada nas prestações de imóveis em construção não reduz valor da dívida. Banco diz que há erro de nomenclatura
A falta de transparência nos contratos e boletos de cobrança da Caixa Econômica Federal, maior financiadora de imóveis do país, tem causado transtornos e prejuízos aos mutuários do banco. Além de pagar por encargos que divergem do que foi contratado, consumidores desconhecem que o prazo para o término da obra descrito no contrato pode ser esticado pela construtora – e, enquanto não recebe sua casa, o cliente é obrigado a pagar por juros de uma construção que já deveria estar pronta.
A Caixa reconhece que as cláusulas não são claras, mas não informa quando irá corrigir os problemas. O Procon-PR considera a situação irregular e avalia que, como estão, as informações induzem o consumidor ao erro. A Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH) salienta que os mutuários que se encontram nessa situação podem acionar a Justiça para solicitar uma revisão contratual e fazer o que já foi pago ser abatido do saldo devedor.
Quem compra um imóvel na planta e financia pela Caixa paga duas taxas diferentes durante o processo: enquanto o imóvel está sendo construído, são cobrados do mutuário os juros da construção e a atualização monetária; depois de pronta a obra, o consumidor paga a amortização, valor mensal que é abatido do saldo devedor financiado pelo banco.
Mas contratos de financiamento e boletos de pagamento analisados pela Gazeta do Povo revelam que mutuários de Curitiba estão pagando pela amortização antes de a obra estar pronta. Os problemas foram encontrados em contratos que utilizam os recursos do FGTS e do programa Minha Casa, Minha Vida, além de recursos da poupança, na modalidade chamada de SBPE – modalidades que, juntas, correspondem a cerca de 90% dos financiamentos imobiliários do país. E, ao contrário do que o nome diz, essa amortização paga durante a obra não abate parte da dívida do consumidor.
Após mais de um mês de pedidos de explicações, a Caixa informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o saldo devedor dos mutuários permanece o mesmo e que, portanto, não houve abatimento do saldo devedor. Isso porque, segundo o banco, há um erro de nomenclatura: onde se lê “amortização” deve-se ler “atualização monetária”.
Para a coordenadora do Procon-PR, Claudia Silvano, a situação é irregular e induz o consumidor ao erro. “O consumidor tem o direito básico de ter uma informação precisa. Se o boleto informa uma coisa e na prática acontece outra, está errado. É necessária a correção imediata”, afirma.
Na avaliação da ABMH, enquanto a mudança não ocorre (e mesmo depois que ela ocorra), mutuários que encontrarem a amortização em seus boletos durante a construção do imóvel podem acionar a Justiça para pedir que os valores pagos como amortização sejam, de fato, abatidos do saldo devedor. “O mutuário está sendo induzido ao erro e pode solicitar, judicialmente, a prestação de contas e a revisão do contrato. Se fosse um erro em um mês, poderia ser entendido. Mas, nas condições constatadas, é possível entender essa inclusão da amortização no boleto como proposital”, analisa o diretor da ABMH-PR, José Antunes dos Santos.
Não é possível afirmar com precisão quantos mutuários pagaram pela amortização durante a fase de construção. Mas é possível que, se a irregularidade afetou todos os contratos, o número chegue à casa dos milhões, tendo em vista que apenas no 1.º trimestre deste ano a Caixa efetuou mais de 226 mil financiamentos de imóveis.
João Pedro Schonarth
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