segunda-feira, 19 de março de 2012

::: ESTRADAS - O pedágio contra a parede

Tribunais de contas questionam concessões de rodovias no Paraná. Ineficiência do setor público na fiscalização dos contratos onera usuário

Foram necessários 15 anos após o início das concessões rodoviárias no Paraná para que as ações de controle sobre os contratos firmados começassem a dar resultado. Três relatórios divulgados nas últimas semanas confirmaram que o valor da tarifa de pedágio é muito alto em relação à qualidade dos serviços prestados. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Tribunal de Contas do Estado (TCE), os sucessivos aditivos que foram feitos nos contratos só beneficiaram as concessionárias.
Por trás disso estão a ineficiência do poder público na fiscalização dos contratos administrativos, o quadro reduzido de pessoal e a falta de qualificação no De­­partamento de Estradas de Rodagem (DER) do Paraná e a omissão dos deputados estaduais, que deveriam ter um controle maior das atividades do Exe­­cutivo. A boa notícia, segundo especialistas consultados pela Gazeta do Povo, é que os relatórios técnicos são ferramentas importantes para provocar mu­­danças nos contratos de forma a beneficiar os usuários. Também há a tendência de uma participação mais efetiva dos usuários nas definições sobre tarifas e obras.
Negociação
Governo diz que objetivo é reequilibrar os contratos
O secretário estadual da Infraestrutura e Logística, José Richa Filho, em e-mail enviado à reportagem, afirmou que o governo trabalha para reequilibrar os contratos, “verificando se a tarifa resultante é coerente com a economia paranaense”. Segundo ele, os relatórios dos Tribunais de Contas da União (TCU) e do Estado (TCE) reforçam a posição do Executivo estadual.
O governo também pretende reavaliar o critério de rentabilidade das empresas, considerando a situação econômica atual. Quando os contratos foram assinados, em 1997, a situação econômica ainda era muito instável e o risco para investimentos era grande. O objetivo, segundo o e-mail do secretário, é “atingir o que se considera valor justo e apresentar o resultado para a sociedade civil organizada e outros órgãos do governo”.
Estrutura mínima
A respeito da falta de estrutura do DER para fazer a fiscalização das concessões, como apontado pelo TCE, a secretaria informa que trabalha realmente com uma “estrutura mínima” há muito tempo, mas que mantém os contratos sob controle. Além disso, pessoal qualificado de outras áreas está auxiliando na renegociação das tarifas de pedágio em curso. (RF)
Revisão
Agência criará norma única
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável pela fiscalização das concessões federais, está estudando um modelo de revisão de contratos, que deve facilitar as negociações entre poder público e empresas. O manual deve ser finalizado até novembro.
Algumas orientações que constarão do manual já se tornaram realidade no Paraná. Uma delas é a adoção do mecanismo de fluxo de caixa marginal quando forem necessários serviços e obras não previstos no contrato original. Esse modelo foi adotado no acordo firmado entre o governo e a Rodovia das Cataratas para a duplicação de 14,37 quilômetros da BR-277 entre Matelândia e Medianeira, na Região Oeste. Segundo o TCE, essa modelagem torna mais justa a remuneração da concessionária. (RF)
“O equilíbrio econômico-financeiro nos contratos administrativos em geral funciona para ambos os lados. Se por alguma razão os custos baixarem, a economia deve ser repassada ou para a administração pública ou para os usuários. A salvaguarda é para ambas as partes”, ressalta o advogado Fernando Vernalha, doutor em Direito de Estado e autor de livros sobre concessões.

Problemas
No fim de fevereiro, o TCU divulgou relatório questionando irregularidades e a má qualidade da obra da Autopista Litoral Sul, concessionária do trecho da BR-101 entre Curitiba e Flo­­rianópolis. O estudo estimou que as mudanças no contrato provocaram uma vantagem estimada de R$ 800 milhões à empresa.
Em seguida veio à tona um estudo do TCU a respeito do Anel de Integração do Paraná, conjunto de rodovias passado à iniciativa privada em 1997. Os ministros concluíram, em plenário, que as sucessivas mudanças nos contratos prejudicaram os usuários do sistema. O órgão determinou a revisão das tarifas num prazo de 360 dias. O TCE, por sua vez, analisou um trecho da BR-277, que liga Guarapuava a Foz do Iguaçu, operado pela Rodovia das Cataratas, e concluiu que as tarifas deveriam ser 22,3% mais baratas.
E por que as revisões nos contratos feitas até agora só beneficiaram as empresas e não os usuários? O presidente do TCE, Fernando Guimarães, afirma que falta pessoal qualificado no órgão estadual encarregado de fiscalizar as concessões. “O DER não tem estrutura adequada para esse acompanhamento. Não acho que seja falta de vontade política, mas sim deficiência em termos de quantidade de servidores e de capacitação”, afirma.
Para An­­gela Cassia Cos­tal­dello, professora de Direito Público da Uni­versidade Federal do Paraná, os agentes públicos não estão exercendo seus papéis de forma satisfatória. “É falta de uma visão política, no sentido de que não se tem uma visão de Estado, uma gestão orientada para o bem do cidadão. As equações e os dados que levam à celebração de aditivos são pouco claros. O aditivo deve ser feito em nome do interesse público.” Para ela, os deputados estaduais não cumpriram com sua responsabilidade, já que compete ao Legislativo fiscalizar o Executivo.

ABCR: interesse político trouxe má fama ao setor
As empresas que administram o pedágio repassaram ao governo estadual R$ 186 milhões entre 1998 e 2011. De acordo com o diretor regional da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), João Chi­minazzo Neto, essa verba deveria ser utilizada para o governo “investir em pessoas capacitadas e aparatos técnicos para debater, orientar e acompanhar as demandas das rodovias”.
Para ele, que respondeu as perguntas da reportagem por e-mail, as negociações de pedágio no Paraná foram prejudicadas pelo interesse político desde o início. Ele lembrou que o ex-governador Jaime Lerner, menos de 30 dias após o início da cobrança da tarifa, determinou unilateralmente a redução do valor em 50%. “Os políticos saíram com os votos e o setor de concessões ganhou má fama indevidamente. Por oito anos, entre 2003 e 2010, as portas do governo ficaram fechadas para o setor de concessão e consequentemente para negociações e revisões de contrato”, disse, confirmando que havia falta de pessoas no governo habilitadas para debater assuntos técnicos.
Segundo Chiminazzo, a fiscalização dos tribunais de contas é vista com naturalidade. “Os relatórios serão avaliados e discutidos tecnicamente. Esperamos que estas ações não sejam novamente de cunho político e entraves entre governos em ano eleitoral”, afirmou. A Ecocataratas, que administra o trecho analisado pelo Tribunal de Contas do Estado, foi procurada, mas não retornou a ligação.
Usuário tem dificuldade para fiscalizar
Atualmente, os usuários de rodovias não contam com muitos mecanismos de controle das concessões. Isso é um erro, e de responsabilidade do poder público. “A participação do usuário na forma do contrato de concessão tem de ser assegurado pelo poder concedente. Se ainda não participa, é possível iniciar a partir de agora. O governo deve chamar os usuários, reunidos em uma associação, sempre que for discutida alguma alteração”, explica o advogado Fer­­nando Vernalha. Ele ressalta que, apesar dos direitos assegurados, isso não justifica decisões arbitrárias, como as que reduzem valores de tarifas, por exemplo.
A instalação de uma agência reguladora regional poderia me­­lhorar o controle dos contratos e facilitar a participação popular, pondera o presidente do Tribunal de Contas do Estado, Fernando Gui­­marães. “A agência é uma boa so­­lução, pois despolitiza a questão.” Vernalha segue a mesma linha: “Sou favorável à criação de uma agência reguladora. Ela é uma autarquia relativamente independente porque seus dirigentes obedecem a mandatos e são pessoas com formação técnica. Pode ser uma boa solução, organiza melhor o sistema.”
No papel, o Paraná já tem uma agência reguladora, prevista na Lei nº 94/02. O governador Beto Richa (PSDB) tentou emplacá-la no ano pas­­sado, mas a proposta de mu­­dan­­­ças enviada para a As­­sembleia não foi bem aceita. Entre as modifi­­cações estava o inchaço do Conse­­lho Deliberativo, que passaria a ter seis representantes das empresas con­­cessionárias, contra apenas três dos usuários. O assunto ainda es­­tá em estudo pelo governo estadual.

Maior participação
A professora de Direito Público An­­gela Cassia Costaldello diz que mes­­­­mo sem a agência é possível uma participação maior dos cidadãos. “Devido à complexidade do te­­ma, os cidadãos têm dificuldade pa­­ra acompanhar de perto as con­­ces­sões. Mas a sociedade é o gran­­de mo­­tor para fazer a fiscalização desse resultado, em conjunto com o Le­­gislativo, que deve controlar o Exe­­cutivo.” Segundo ela, ou­­tros or­­ganismos, como os tribunais de con­­tas, atuam na defesa do in­­teresse público, “representando” os cidadãos em temas mais com­­plexos.

Rosana Félix - GP

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