domingo, 3 de julho de 2011

::: PROJEÇÕES - Falta de investimentos mantém preços acima da média histórica

Estável desde 2008, produção de etanol não acompanha crescimento da frota de carros flex – situação que inflaciona também a gasolina
Desde o surgimento dos carros flex, em 2003, o brasileiro se acostumou a pagar mais caro pelos combustíveis durante o verão e, nos meses seguintes, ver os preços caírem conforme o avanço da colheita da cana-de-açúcar. Mas, desta vez, o característico recuo das cotações após o início da produção de álcool não foi tão grande assim, deixando os preços “de inverno” – geralmente os menores do ano – em níveis bem acima da média histórica. Na comparação com os valores médios cobrados pelos postos de Curitiba em junho de 2010, por exemplo, o etanol está 33% mais caro e a gasolina, 11%. E a situação não parece ser momentânea.
O problema tem origem na estagnação da produção de etanol, que, a partir da crise financeira mundial, em 2008, não conseguiu mais acompanhar o aumento da frota de veículos bicombustíveis. Esse descompasso entre oferta e demanda eleva não apenas o preço do álcool, mas também o da gasolina, de duas formas: além de o derivado de petróleo levar 25% de etanol em sua composição, a inflação do combustível de cana também estimula donos de carros flex a “migrar” para a gasolina, que, mais procurada, é reajustada por distribuidoras e postos – muito embora esteja “congelada” nas refinarias da Petrobras há vários anos.

As projeções sugerem que, pelo menos nos próximos dois ou três anos, o consumidor terá de se habituar a uma realidade na qual os preços de etanol e gasolina serão maiores que os vistos até 2010 e a diferença entre as cotações dos dois combustíveis, mais estreita. Com isso, a vantagem competitiva do álcool sobre a gasolina não será mais tão grande, nem mesmo durante o auge da safra de cana, como ocorre agora.

Inflação
Embora os preços dos dois combustíveis tenham baixado consideravelmente desde abril, quando atingiram picos históricos, eles continuam bem acima dos níveis de antes da entressafra. E desbancam, com sobras, os valores praticados nesta mesma época em anos anteriores (veja gráfico nesta página).
O preço médio do álcool, que nos meses de junho raramente se aproximava de R$ 1,50 por litro, agora passa de R$ 1,70. E o litro da gasolina, normalmente situado na casa dos R$ 2,30 ou R$ 2,40 em meados do ano, agora sai por R$ 2,61, segundo os levantamentos da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Bio­combustíveis (ANP).
Os valores que o consumidor observa nas bombas refletem a disparada do álcool nas usinas. De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea/USP), o custo do etanol hidratado está quase 60% mais alto que há um ano. No mesmo intervalo, o anidro, que é misturado à gasolina, subiu cerca de 50%.

Déficit estrutural
“Excluindo as sazonalidades, o atual patamar de preços, da gasolina e do etanol, é um novo patamar, e veio para ficar. Não há motivo para esperar menos. Não vejo cenário de queda relevante no médio e no longo prazo”, diz Marco Saravalle, analista da corretora Coinvalores. O economista Francisco Pessoa, da LCA Consultores, tem opinião semelhante. Segundo ele, o nível alcançado pelos preços não tem nada de ocasional. “Este patamar é estrutural, e vamos ter de nos acostumar a ele por alguns anos”, prevê.
A própria União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), representante máxima do setor, admitiu em várias ocasiões neste ano que existe um “déficit estrutural na oferta de cana”, que só começará a ser revertido quando houver um “novo ciclo de investimentos na produção” – não só na renovação dos canaviais mais antigos, que ficam menos produtivos a cada safra, mas também na ampliação do cultivo e na construção de novas usinas.

Pacote
O governo estuda oferecer incentivos para a expansão da produção – espera-se para o segundo semestre um pacote de crédito e novas regras para o setor –, mas os efeitos não serão imediatos, prevê Pessoa, da LCA. “Estímulos seriam bem-vindos. Mas não é de uma hora para outra que o setor vai retomar o crescimento rápido. Montar um canavial e uma usina é um processo de uns dois anos.”

Fernando Jasper

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