Número de desempregados brasileiros dobra no país, que terá aumento de impostos e retração do PIB em 2011 e 2012
Centro de Lisboa, capital de Portugal: crise afugenta brasileiros |
Leonardo Vinicíus, que faz bicos: se não melhorar, plano é ir embora |
“Isso de ir embora já vem vindo de um ano atrás”, diz o piauiense Mike Moraes, de 44 anos, que há 10 chegou a Lisboa. Sem dois dos três empregos que tinha e ganhando só para o sustento, embarca na próxima semana para Curitiba. Terra da mulher, Maria Helena Corrêa de Souza, de 43 anos, que hoje tem dois trabalhos em vez de seis. “Vou com uma mão na frente e outra atrás. Não deu para atingir o objetivo, né?”
Em crise, Portugal, que abriga a quinta maior comunidade de brasileiros no exterior, tem se tornado menos atrativo para os que querem fazer a vida fora do País. O ajuste acordado com FMI e Comissão Europeia freará uma economia já pouco pujante, que deve encolher 2% neste e no ano que vem. O desemprego, já em históricos 11,2%, deve chegar 13% em 2013. Para aumentar a arrecadação, o governo irá continuar com o aumento da carga fiscal iniciado em 2010. Nas despesas, intensificará o congelamento de investimentos e cortes em prestações de serviços sociais e públicos.
Além das difíceis condições internas, ganhar em euro não é mais a mesma coisa. Como o real, o euro também vem se fortalecendo em frente ao dólar. A cotação da moeda caiu do pico de R$ 3,97, atingido em 2002, para R$ 2,17 em janeiro. Depois de um crescimento constante de 2000 a 2006, as remessas de imigrantes ao Brasil caíram, de acordo com o Banco de Portugal – o banco central local. Nos dois primeiros meses de 2011, o valor enviado – 43,4 milhões de euros – foi 11,2% menor que o do mesmo período de 2008.
Remessas ao Brasil caem
Dados do Instituto de Emprego e Formação Profisisonal (IEFP) indicam que o número de brasileiros inscritos em centros de emprego saltou de 5 mil em março de 2008 para 10,7 mil no mesmo mês deste ano – há cerca de 106 mil brasileiros com a documentação legalizada no país. A taxa média de desemprego entre os imigrantes como um todo, em 2010, foi quase o dobro da média nacional – 19% contra 10,8%. “Eu aconselho fortemente os candidatos imigrantes a não virem”, diz Carlos Vianna, presidente da associação Casa do Brasil de Lisboa, que reúne imigrantes brasileiros e lusófonos. “Não há oportunidades para melhorar de vida. Há é dificuldades.”
Sem obras, sem vagas
Mesmo nas áreas em que não há necessidade de qualificação, são escassos os postos de trabalho. “A situação está bastante complicada. Obras públicas não há, obras particulares não existem”, afirma José Dinis, secretário-geral da Federação Portuguesa dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro.
Na construção civil, o número de vagas caiu 20% entre fevereiro de 2008 e o mesmo mês deste ano, segundo o Instituto Nacional de Estatística de Portugal. Essa área absorve um em cada cinco brasileiros recém-chegados ao país, de acordo com um estudo feito por três instituições de ensino superior portuguesas. Em 2009, quando a pesquisa foi feita com 1,4 mil brasileiros, 15% dos empregados estavam no setor. “Quando cheguei aqui eram só gruas. Você via uma, ia atrás e tinha vaga”, diz o piauiense Moraes.
Pintor, o capixaba Leonardo Vinicius, de 25 anos, responde pelo anúncio “Procuro trabalho no estrangeiro”, publicado em abril em um site de empregos. “Um amigo meu foi para a Inglaterra e diz que está indo bem lá.” Há um mês sem trabalho, faz meio período em montagem e entrega de móveis. Os pais, há 20 anos em Portugal, também pensam em ir embora. Ele está no país há nove e tem mulher e filhos portugueses. “Se aparecer, vou ter de pensar bem”, diz.
Embora a carteira de clientes do Banco do Brasil em Portugal tenha crescido 10% em 2010 – para cerca de 13 mil correntistas –, o número de cancelamento de contas correntes foi expressivo no ano passado. Segundo administrador-adjunto, Márcio Luiz Moral, cerca de 3,8 mil contas foram fechadas. “Tem aumentado o movimento de encerramento por retorno ao Brasil”, afirma. As baixas foram compensadas pela entrada de novos clientes. “Renovamos nossa base.”
Só de volta
Se a crise faz os brasileiros voltarem para casa, ela gera oportunidades em algumas áreas. Funcionária de uma agência de viagens em Lisboa, a carioca Pâmela Suzarte, de 29 anos, tem o que comemorar. Nunca, diz, tinha vendido 85 passagens para o Brasil em um mês. Todas de ida. “Foi o recorde”, diz. “Agora que o povo tá indo embora é hora de eu ficar.” O Itamaraty informou que, embora possa haver brasileiros voltando para o País por causa da crise econômica, não se pode falar em movimento em massa.
Na Organização Internacional para a Migração (OIM) em Portugal, que paga passagens de quem não tem dinheiro para voltar para casa, os brasileiros sempre foram maioria. Nos últimos tempos, no entanto, o percentual tem crescido ainda mais. De 70% dos beneficiados em 2007, passaram a ser 83% neste ano. Voltam, sobretudo, os que estão em Portugal há mais de cinco anos: de um em cada cinco beneficiados em 2007, passaram a um em cada dois em 2010.
Redução do orçamento
“TV a cabo, assinatura de internet, já mandei para o espaço. Vendi carro, vendi tudo que eu tinha. Faz um ano [que a situação piorou]”, diz Daniel Morais, nascido no Cabo Verde, ilha da costa africana, mas criado no litoral paulista, para onde pretende voltar em agosto. Sem emprego, vive de bicos de segurança e mecânico, que não aparecem todos os dias. “Faço meio período nos finais de semana. Agora, durante a semana é dia sim, dia não”, diz. A informalidade atingia 7,1% dos brasileiros empregados e ouvidos na pesquisa feita em 2009.
Três meses sem ocupação foi assim que o mineiro Wendel Martins, de 24 anos, conseguiu voltar à ativa. Desde março e pelos próximos dois meses, vai tirar adesivos autocolantes de trens. “Foi com o amigo da minha mãe. Essas coisas sem contrato”, diz. Ele não é o único. “Isso aqui é uma ilusão. Não dá mais nada”, diz Edméia Clemente, a mãe, de 44 anos, lamentando ter tido de vender as peças de ouro que ganhou de um namorado que conheceu no país.
“Trazem ouro português, com 19,2 quilates, já que o brasileiro nós não aceitamos. São pessoas que estão aqui há mais tempo, integradas já”, diz o português Manuel Rebelo, sobre o aumento que percebe no número de clientes brasileiros na loja de penhor em que trabalha. Um negócio que, em tempos de crise, só cresce, segundo ele. “O mês passado foi uma loucura. Fizemos 50 contratos em um dia. Normalmente eram 10, 20. São pessoas cujo patrão não paga ou que têm negócio e precisam pagar os funcionários.”
No imóvel em que a baiana criada em São Paulo Claudia Martins, de 32 anos, tentou no ano passado abrir uma filial de sua loja de cosméticos, hoje há um estabelecimento de compra de ouro. “Fechamos assim que inauguramos. Achamos melhor encerrar antes que levasse esta aqui, que também está vendendo menos”, diz, referindo-se à unidade que mantém aberta. Uma das duas empregadas que demitiu, ambas brasileiras, já voltou para o Brasil. “Está se dando muito bem lá.”
Vitor Sorano, especial para o iG, de Lisboa
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