Se um executivo tivesse de escolher um ano para assumir o comando de um banco global, não seria 2011. Mas Stuart Gulliver foi elevado à posição de CEO do HSBC em 1.º de janeiro e, desde então, vem anunciando uma reestruturação que pretende eliminar gastos principalmente por meio da saída de mercados onde o banco não vem tendo um bom desempenho. O banco determinou cinco critérios -- lucratividade, conexão com outras economias, eficiência, liquidez e perspectiva de crescimento -- e está saindo de países que não cumprem todos os requisitos. O Brasil passou no teste e vem sendo afagado por Gulliver, que resolveu trazer os principais diretores do banco para uma reunião no país (a primeira fora de Londres ou Hong Kong, na gestão de Gulliver). Na quinta-feira, enquanto o dólar e o medo do calote grego disparavam, ele recebeu a Gazeta do Povo para uma entrevista em Curitiba e falou sobre a crise, seus efeitos e o potencial dos mercados emergentes.
Que efeito a crise terá nas economias emergentes, na sua opinião?
Eu vejo dois tipos de impacto indireto. Se a Grécia reestruturar a dívida e os bancos perderem muito, vários bancos estrangeiros vão precisar de ajuda e reduzir posições fora de seu país natal – se você é um contribuinte francês e o governo vai ajudar um banco francês, você quer que esse dinheiro seja usado na França, para gerar empregos lá, e não em um país emergente. Assim, vai haver queda no crédito de bancos estrangeiros para companhias brasileiras. Além disso, se houver uma recessão na Europa Ocidental, a demanda por commodities vai cair. Vocês são uma economia fechada – em Hong Kong, por exemplo, o impacto seria de uns 60% do que aconteceria na Europa. Aqui, seria de 10% ou 20%. Vocês têm barreiras para se proteger, mas não estão imunes.
Qual é a exposição do HSBC à dívida da Grécia?
Estamos bem pouco expostos à dívida grega -- a exposição direta é de 500 milhões de euros [cerca de R$ 1,240 bilhão, em valores de sexta-feira]. Para ter uma ideia, o nosso lucro nos primeiros seis meses de 2011 foi de US$ 11,5 bilhões [cerca de R$ 21 bilhões]. Então, é algo gerenciável. Temos US$ 78 emprestados para cada US$ 100 depositados, uma posição conservadora. Em outros bancos, esta relação está acima de US$ 100 emprestados para cada US$ 100 depositados -- eles precisam do mercado interbancário para se financiar.
Qual a justificativa para uma postura mais conservadora?
Isso é histórico, não tem relação com a situação atual do euro. Nós começamos na Ásia-Pacífico, uma região onde coisas doidas aconteciam o tempo todo, os governos eram instáveis, e aí você precisa aprender a lidar com o inesperado. Somos meio que "convidados" em cada país, não somos os campeões nacionais, então precisamos nos virar sozinhos. Mas, se a crise piorar, nossos clientes vão ser afetados, o que indiretamente nos atinge também, então não teremos como escapar. Estamos cada vez mais preocupados com uma reestruturação agressiva grega, mas esperamos que ela não aconteça. As alternativas são o calote, a reestruturação ou os cortes. Cortes reduzem o PIB cada vez mais, e isso piora a economia e impede o crescimento. Por isso, acho que em algum momento os investidores vão ter de ser forçados a perder. A questão é quanto vão perder -- 100%, 50%, 20% ou alguma outra porcentagem. Por isso há essa preocupação com os bancos e essa pressão nos mercados.
No primeiro semestre, o senhor expôs seus planos para o banco, que incluíam uma redução de custos de até US$ 3,5 bilhões por ano; em agosto, o banco divulgou cortes de pessoal. O Brasil foi poupado, e o senhor tem dito que o país tem uma posição de destaque nos objetivos do banco. Por quê?
O Brasil tem uma economia que é e continuará sendo uma força na economia mundial. Sua economia é abençoada por recursos naturais fantásticos e nós estamos nas partes do mundo onde estão os grandes consumidores desses recursos, como a Ásia, China, Índia e a Europa Ocidental. Também estamos atentos aos fluxos de capital e comércio que ocorrem e ocorrerão entre o Brasil, o resto da América Latina e essas regiões consumidoras. As companhias brasileiras estão começando a superar as barreiras domésticas no comércio e, à medida que elas negociam, nós podemos ajudá-las. Se você é um exportador brasileiro, ou importa peças ou materiais para montar produtos aqui, vai querer a assessoria de um banco que o ajude a lidar com as partes do mundo com as quais você não tem familiaridade. Como estamos em mais de 80 países, nossa rede pode ajudar muito nesse sentido. À medida que o país continua a prosperar, também surgem oportunidades no gerenciamento das riquezas geradas. Qualquer cultura onde o PIB cresce precisa disso. As pessoas querem que seu patrimônio seja protegido contra a inflação, ou contra gargalos de infraestrutura. Então, existem vários níveis de demanda por serviços bancários no Brasil. Quem está à frente de um banco vai querer que ele esteja em um país com potecial demográfico, muita gente jovem, crescimento rápido, demanda por investimento e criação de riqueza, onde o seu banco pode ajudar a financiar infraestrutura e sua rede internacional pode ajudar a conectar os empresários brasileiros com o resto do mudo. Por isso estamos muito otimistas com o Brasil e temos planos de aumentar nosso pessoal aqui.
Que ações em específico o banco vem adotando para explorar essas oportunidades?
Uma das nossas decisões foi a de levar brasileiros para a China, e vice-versa, assim como colocar funcionários dos mercados emergentes em Londres, porque o melhor jeito de ajudar clientes é ter um compatriota no lugar onde eles querem fazer negócios: esse funcionário ajuda o cliente a superar barreiras de língua e culturais, criando para nós uma oportunidade genuína para ajudar. Isso já começou a dar resultados. Em Hong Kong vendemos US$ 10 bilhões no ano passado em produtos de investimento no Brasil e no México para investidores asiáticos.
O Brasil tem dado uma grande contribuição ao lucro global do banco, mas podemos melhorar. Existem áreas em que nos falta escala, e somos realistas: há gargalos de infraestrutura, a inflação está teimosamete alta, o PIB está desacelerando, mas as oportunidades são significativas, e no longo prazo estamos confiantes por causa da nossa experiência em mercados emergentes. Antes dos Brics havia, por exemplo, Hong Kong, onde o comportamento dos grandes conglomerados segue uma cultura bem semelhante: são empresas familiares que colocam 40% das ações em bolsa e ficam com o resto. É assim no Brasil, no México, no Oriente Médio; parece clichê, mas posso dizer que somos bons em relacionamento. Por outro lado, não temos ido bem nos Estados Unidos, onde os relacionamentos não contam tanto e tudo é meramente institucionalizado. As oportunidades de crescimento aqui são iguais às da Ásia-Pacífico, na minha opinião. Os emergentes são o coração da firma.
O HSBC é o maior banco privado do mundo, mas não no Brasil. Como chegar a essa posição no país?
Chegamos à conclusão de que não podemos ser líderes no Brasil, porque não há como superar o Itaú-Unibanco. Anos atrás o mercado de bancos era diferente, estava havendo muitas fusões e aquisições, e a última oportunidade desse tipo foi o Real, que acabou comprado pelo Santander. Agora me parece já não haver mais chances de crescimento inorgânico, por meio de grandes fusões ou aquisições; resta a via do crescimento orgânico. Nosso foco, então, é ser o maior banco interacional no Brasil. Como nenhum banco brasileiro tem a presença internacional e o acesso aos mercados globais que nós temos, nossa estratégia é explorar esta vantagem.
Um relatório recente do Fundo Monetário Internacional apontou sinais de bolha no Brasil. Qual a sua percepção sobre a situação do crédito no país?
No começo do ano havia sinais de superaquecimento em alguns setores, mas agora acho que a inflação está moderando esse processo e esses sinais estão passando. Parece-me que o setor percebeu esses sinais e ajustou seus padrões de crédito -- o segredo para lidar com as bolhas é deixar o ar sair antes que elas estourem. Minha percepção é de que há uma desaceleração. Nos últimos cinco dias [até quinta-feira passada, quando foi feita a entrevista] vem ocorrendo esse movimento no câmbio que alivia um pouco do consumo. Com o dólar a R$ 1,55 a indústria sofre, e isso afeta os empregos. Governos não querem suas fábricas fechando – quanto mais emprego, mais estabilidade social. Esse movimento súbito para R$ 1,86 [cotação na tarde de quinta-feira] pode ser um pouco exagerado, mas não é prejudicial. O dólar nesse nível é bom para o Brasil.
Qual a sua avaliação sobre essa desvalorização rápida do real?
Os investidores globais estão bem preocupados com a Europa e estão reduzindo o risco tirando dinheiro de mercados ao redor do mundo. Se você está tirando risco, os primeiros mercados de onde sai são os instáveis, onde o governo pode fazer alguma coisa, ou os pouco líquidos. E os investidores saem dos emergentes mais rápido do que saem dos mercados desenvolvidos. Como o emergente ainda não tem a mesma liquidez do desenvolvido, existe um esforço para sair antes dos outros. O mercado emergente é como um espetáculo de teatro: as pessoas chegam aos poucos, mas saem todas de uma vez, e por isso você se prepara para sair até antes de a cortina se fechar.
Recentemente o banco saiu de países com um clima de negócios declaradamente hostil, com grandes níveis de interferência estatal, como a Rússia. O que isso ensina ao HSBC na hora de lidar com a China, que tem algumas características semelhantes?
A diferença é que entendemos como as coisas funcionam na China, mas não sabemos muito bem como elas funcionam na Rússia. Então, não se trata apenas de interferência do governo. As companhias russas negociam quase que exclusivamente com as ex-repúblicas soviéticas, onde não estamos. Um dos nossos critérios para atuar em um país é o fluxo comercial significativo com outras nações em que operamos. Por isso saímos da Geórgia, que só tem comércio com a Rússia e a Ucrânia, mas não com a União Europeia, o Brasil, a China ou o Oriente Médio, onde temos negócios importantes. Compensa mais intensificar nossa presença onde já temos uma posição sólida que começar do zero em um país e esperar que ele se abra ao comércio exterior.
Marcio Antonio Campos - Gazeta do Povo
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